segunda-feira, janeiro 24, 2005

Líricos algarvios (VII)

HFR, do último post, e FCR, que em tempos alimentou um blog com os seus "instantâneos", são meus amigos, de relacionamento regular neste veículo de comunicação onde nos encontramos. Ambos me brindaram com os poemas que vou publicar, de Bernardo de Passos (São Brás de Alportel):

      • Ecos da Serra

        Ó ribeirinho da serra,
        não corras, vai devagar...
        Leva lembranças da terra,
        que vais ser onda do mar...
        A correr, por entre flores,
        vais, ribeirinho, a cantar...
        Dize adeus aos teus amores,
        repara que os vais deixar!

        Um dia, longe de tudo,
        ribeirinho, hás-de mudar,
        feito onda do mar sem fundo,
        perdido e triste hás-de andar...
        Já sem rouxinóis cantando,
        Já sem flores p'ra beijar,
        só no mar ermo, chorando,
        quererás então voltar...

        Foi assim a minha vida
        no seu louco delirar:
        Como correu de fugida!
        Como fugiu a sonhar!
        Foi assim uma ilusão!
        a minha vida a amar!
        Um ribeirinho era então
        e hoje é onda do mar...

        Mas tu podes, ribeirinho,
        ainda um dia tornar
        às flores do teu caminho,
        voltando nuvem do ar...
        Só minha vida anda aos ais,
        de praia em praia a chorar,
        ai! nunca mais, nunca mais
        pode ao passado voltar.


          • Cantiga para trabalhadores do campo

            Sou cavador, cavo a terra,
            Donde nasce a flor e o grão.
            Dou aos outros a fartura,
            E em casa não tenho pão.

            O sol a todos aquece,
            Não nega a luz a ninguém,
            Ama os bons e ama os maus,
            E assim foi Jesus também.

            Se pão não tenho, e os meus filhos,
            Me pedem pão a chorar,
            Dou-lhes beijos, coitadinhos!
            Que mais não lhes posso dar.

            Morre um rico, dobram os sinos!
            Morre um pobre, não há dobres!
            Que Deus é esse dos padres
            Que não faz caso dos pobres?


1 comentário:

Anónimo disse...

Gosto deste seu bairrismo poético.É bom lembrar os dos nossos sítios...(atenção: o meu bairrismo, a existir, teria de repartir-se -a alma em pedaços repartida - pela minha Beira-Serra , onde estão as origens, e Leiria, onde vivo há quase 36 anos...
Mas sinto-me., sobretudo, do granito.