É de propósito que publico este post às 00h08 do dia 21 de Março, no preciso minuto em que, para as coordenadas de Silves, o Sol atinge o ponto vernal, entrando no equinócio da Primavera; para os astrólogos, que não para os astrónomos, é também tempo do signo de Aries (Carneiro).
- PRIMAVERA
Esta é a estação das horas canónicas, dos
sinos que movem os dias nos seus traços divinos, da música
desses instantes que se metem pelos poros
da alma, fazendo ressoar a eternidade. Não sei
desde quando é assim: a primavera, que nasce no breve
equilíbrio entre os pólos, assiste ao nascimento
de flores que correspondem a uma imagem
da perfeição. Vejo-as imóveis nas naturezas
mortas, nos jarrões chineses de antigas
dinastias, nos pratos de rebordos esbeiçados
pelo tempo. São as flores que não atraem as abelhas - as mais
belas. No entanto, quando colho as outras flores, vivas,
e as meto dentro de livros, fechando-os entre outros livros
para que sequem mais depressa, imagino o diálogo
que se poderá travar entre as palavras e as pétalas, o pólen
e essa abstracta espuma das sílabas, o caule partido a meio
e o verso quebrado pouco antes do fim, o suficiente
para que o ritmo imponha a sua sombra. Um claustro
vegetal, cujas colunas são construídas
a partir de uma terminologia
botânica, das exóticas designações de herbários
amarelecidos, de rostos enrugados como as folhas
mais perenes. O que sei, então,
é isto: que o essencial resiste no coração
da primavera, e que o seu preço é este canto
de pássaros que vem não sei de onde, como
a luz da manhã quando a névoa
se desfaz.
Nuno Júdice
Poesia Reunida (1967-2000)
Teoria Geral do Sentimento (1999)
Dom Quixote, Lisboa, 2000
2 comentários:
que bom que ela chegou!
e não é que todos temos uma espécie de orgulho no nuno júdice. assim, como se ele fosse a nossa melhor língua?
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