quarta-feira, março 21, 2007

A Primavera está entre nós

Rosa, Maio de 2005, © António Baeta Oliveira

É de propósito que publico este post às 00h08 do dia 21 de Março, no preciso minuto em que, para as coordenadas de Silves, o Sol atinge o ponto vernal, entrando no equinócio da Primavera; para os astrólogos, que não para os astrónomos, é também tempo do signo de Aries (Carneiro).

  • PRIMAVERA

    Esta é a estação das horas canónicas, dos
    sinos que movem os dias nos seus traços divinos, da música
    desses instantes que se metem pelos poros
    da alma, fazendo ressoar a eternidade. Não sei
    desde quando é assim: a primavera, que nasce no breve
    equilíbrio entre os pólos, assiste ao nascimento
    de flores que correspondem a uma imagem
    da perfeição. Vejo-as imóveis nas naturezas
    mortas, nos jarrões chineses de antigas
    dinastias, nos pratos de rebordos esbeiçados
    pelo tempo. São as flores que não atraem as abelhas - as mais
    belas. No entanto, quando colho as outras flores, vivas,
    e as meto dentro de livros, fechando-os entre outros livros
    para que sequem mais depressa, imagino o diálogo
    que se poderá travar entre as palavras e as pétalas, o pólen
    e essa abstracta espuma das sílabas, o caule partido a meio
    e o verso quebrado pouco antes do fim, o suficiente
    para que o ritmo imponha a sua sombra. Um claustro
    vegetal, cujas colunas são construídas
    a partir de uma terminologia
    botânica, das exóticas designações de herbários
    amarelecidos, de rostos enrugados como as folhas
    mais perenes. O que sei, então,
    é isto: que o essencial resiste no coração
    da primavera, e que o seu preço é este canto
    de pássaros que vem não sei de onde, como
    a luz da manhã quando a névoa
    se desfaz.


Nuno Júdice
Poesia Reunida (1967-2000)
Teoria Geral do Sentimento (1999)
Dom Quixote, Lisboa, 2000

2 comentários:

Fátima Santos disse...

que bom que ela chegou!

firmina12 disse...

e não é que todos temos uma espécie de orgulho no nuno júdice. assim, como se ele fosse a nossa melhor língua?