Esta foto não pretende ilustrar o poema. Colou-se-me à ideia do título que dei ao post. Quando muito poderia sugerir os montes, que "A vista dos ciprestes ocultava... para lá do rio e dos valados..."
- No campo, à tarde
A vista dos ciprestes ocultava os montes,
para lá do rio e dos valados; os pássaros
pretos lembravam que o inverno não chegara
ao fim; um mar demasiado branco empurrava
a memória para os confins da infância. Assim,
por trás dos vidros fechados, respirando
um fumo de madeiras velhas, ouvia o vento,
sem perceber a frase obscura que ele
repetia num murmúrio incessante. Alguém fala,
num dos quartos; e essa voz atravessa o
corredor, monótona, perdendo-se dos lábios
que a formulam: numa ilusão de eternidade,
envolve-se nos muros do quintal, como a antiga
hera, designando a pedra com uma resignação
humana. Os corpos dispersam-se na paisagem,
contrariando de inquietação a expectativa
primaveril. O frio da tarde acentua o contorno
dos objectos. Mas o seu perfil, que o amor expôs
à usura do tempo, tornou-se sombra, ou mancha.
Nuno Júdice
Poesia Reunida (1967-2000)
As Regras da Perspectiva (1990)
Dom Quixote, Lisboa, 2000
2 comentários:
"Mas o seu perfil, que o amor expôs
à usura do tempo, tornou-se sombra, ou mancha."
como isto se cola a esta cidade. Um abraco
Helena
Quis deixar um comentário no teu blog, mas não consegui.
Dizia assim:
A tua lágrima salgou-me a garganta num aperto incontido.
Como a expressão do belo nos fere cá dentro!
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