Maria João Luís, prémio da crítica para a melhor interpretação feminina, esteve no CAPa, em Faro, com Stabat Mater, do italiano Antonio Tarantino, numa produção de Artistas Unidos e encenação de Jorge Silva Melo.
Num registo dramático de desespero e desesperança, ela traz-nos, viva, a pulsar como uma chaga purulenta, a história da vida de uma mulher na miséria e na profunda solidão, como só se atinge no âmago de uma grande cidade.
Usa uma linguagem dura e um gesto rude, agressivo, com que se fere e nos fere na sua crueza tão real.
O que nos revela é uma história cíclica, sem continuidade nem regresso, de uma mulher, mãe solteira, e dos seus preconceitos, arrumados e definitivos, catalogados, repletos de xenofobia, de racismo, de defesa contra a agressão social.
É a história da miséria humana, tentando sobreviver, nos escombros de uma sociedade que recorre aos organismos estatais de assistência e a instituições religiosas de apoio para descansar a nossa consciência.
Na página de apresentação deste seu trabalho, Jorge Silva Melo respiga um poema do poeta Gomes Leal (1848-1921), a que não resisto trazer-vos aqui:
- Eu vejo-a vir ao longe perseguida
como de um vento lívido varrida
cheia de febre, rota, muito além…
– pelos caminhos ásperos da História –
enquanto os reis e os deuses entre a glória
não ouvem a ninguém.
Ela vem triste, só, silenciosa,
Tinta de sangue, pálida, orgulhosa,
Em farrapos na fria escuridão…
Buscando o grande dia da batalha.
É ela! É ela! A lívida Canalha!
Caim é vosso irmão.
Eles lá vêm famintos e sombrios,
Rotos, selvagens, abanando aos frios,
Sem leite e pão, descalços, semi-nus…
(…)
São os tristes, os vis, os oprimidos
(…)
São os párias, os servos, os ilotas
Vivem nas covas húmidas, ignotas
(…)
Eles vêm de muito longe, vêm da História.
Frios, sinistros, maus como a memória
Dos pesadelos trágicos e maus.
(…)
Vêm uns ecos perdidos de batalha
Como uns ventos do norte impetuosos
- são os passos, nas trevas, vagarosos
Os passos da Canalha.
Gomes Leal
A Canalha
Nota:
Curioso ter ficado a saber que os Artistas Unidos estarão em Silves, a 17 de Novembro, com a peça Music-Hall, no Teatro Mascarenhas Gregório, num momento em que nada se sabe de um teatro já inaugurado, em vésperas de eleições, para logo a seguir fechar as suas portas, já lá vão mais de dois anos, e cuja justificação já foi evocada pelos mais variados e desconcertantes motivos.
Esperemos que seja desta vez e, felizmente, pelo menos a meu gosto e meu aviso, pelos Artistas Unidos.
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