terça-feira, junho 08, 2004

Silves n'Os Lusíadas

Na sequência do post de ontem ocorreu-me divulgar outra clássica referência a Silves. Desta feita falo de Luís de Camões e de Os Lusíadas.

Do Canto III, estrofes 86 - 88:

  • (...)
    Despois que foi por Rei alevantado,
    Havendo poucos anos que reinava,
    A cidade de Silves tem cercado,
    Cujos campos o Bárbaro lavrava.
    Foi das valentes gentes ajudado
    Da Germânica armada que passava,
    De armas fortes e gente apercebida,
    A recobrar Judeia já perdida.

    Passavam a ajudar na santa empresa
    O roxo Federico, que moveu
    O poderoso exército, em defesa
    Da cidade onde Cristo padeceu,
    Quando Guido, co a gente em sede acesa,
    Ao grande Saladino se rendeu,
    No lugar onde aos Mouros sobejavam
    As águas que os de Guido desejavam.

    Mas a fermosa armada, que viera
    Por contraste de vento àquela parte,
    Sancho quis ajudar na guerra fera,
    Já que em serviço vai do santo Marte.
    Assi como a seu pai acontecera
    Quando tomou Lisboa, da mesma arte
    Do Germano ajudado, Silves toma
    E o bravo morador destrui e doma.
    (...)


Há ainda uma outra referência no Canto VIII, estrofe 26:
  • (...)
    Vês, com bélica astúcia ao Mouro ganha
    Silves, que ele ganhou com força ingente:
    É Dom Paio Correia, cuja manha
    E grande esforço faz enveja à gente.
    Mas não passes os três que em França e Espanha
    Se fazem conhecer perpètuamente
    Em desafios, justas e tornéus,
    Nelas deixando públicos troféus.
    (...)

Notas (da edição):
86.3-4 “A cidade de Silves tem cercado”: com o auxílio da “Germânica armada” (flamengos e alemães) que formou a Terceira Cruzada (1189-1192) os Portugueses atacaram Silves; “Cujos campos o Bárbaro lavrava”; o Bárbaro é o Muçulmano.
87.2-5 “O roxo Federico, ...”: Frederico I, imperador da Alemanha (1123-1190), o Barba-Roxa ou Barba-Ruiva; “Quando Guido, co a gente em sede acesa”: Guido de Lusignan, último rei de Jerusalém, rendeu-se a Saladino, sultão do Egipto e da Síria, porque as suas tropas morriam de sede. A batalha de Tiberíade terminou pela captura de Guido.
88.1-4 “Mas a fermosa armada, ... / Já que em serviço vai do santo Marte”: a fermosa armada quis ajudar Sancho porque ia pelejar na Guerra Santa.
Ort.: fermosa (por formosa).

26.1-8 “Vês, com bélica astúcia ao Mouro ganha / Silves, ...”: por meio de cilada. Desviando o governador de Silves para Paderne e indo por caminho desviado, foi lançar-se sobre Silves, tomando todas as portas da cidade e impedindo as forças do governador de entrarem e ele próprio (v. Rui de Pina, Cr. de D. Afonso III),, cap. IX); “Mas não passes os três que em França e Espanha”: Gonçalo Rodrigues Ribeiro, Vasco Anes e Fernando Martins de Santarém, que em tempo de D. Afonso IV andaram como cavaleiros andantes em justas e torneios (v. Rui de Pina, Cr. de D. Afonso IV, caps. XIV a XVI).
Ort.: enveja (por inveja); tornéus, por causa da rima.


2 comentários:

Anónimo disse...

Se não fossse meter a foice em seara alheia, eu pedia-lhe, António, para prevenir os ouvidos mais sensíveis que a "o Bárbaro é o muçulmano", apusesse uma pequena nota de que o Bárbaro, o "torpe Ismaelita"( I,8,6), "o falso Mahamede"(II, 50,8), reflectem a mentalidade da época (5 séculos de hostilidade ao Mouro) e não o profundo sentir do humanista do nosso poeta ( Shkespeare, 20 anos mais novo que Camões, na peça "Troilus e Cressilda", segue a tradição medieval, segundo a qual os Troianos representavam a beleza e a dignidade humanas e os Gregos a barbárie, e este facto não o diminui aos nossos olhos ).Cumprimentos.fcr.

Unknown disse...

O reparo fica feito por si, Francisco.
Um abraço.