Privilegiar o que nos aproxima
Amin Toledo acabava de regressar ao seu gabinete particular, nas instalações do Parlamento Europeu, em Estrasburgo.
Passava um pouco das nove, no final de um dia extenuante; tão extenuante, aliás, como qualquer outro destes últimos seis meses, desde que se envolvera naquela investigação.
Acendeu o candeeiro sobre a sua mesa de trabalho e apagou a luz do gabinete.
Sentou-se na sua poltrona, recostou-se, mãos atrás da cabeça apoiando a nuca.
Reviu a viagem de avião a Bruxelas e rememorou o relatório que teve oportunidade de dactilografar, no seu portátil, durante o percurso: "Privilegiar o que nos aproxima, em detrimento do que nos afasta".
O seu sonho de aproximação dos povos.
Já em Bruxelas, reuniu com uma delegação da comunidade islâmica de Paris. Ainda manteve uma longa conversa com o Núncio Apostólico antes de regressar a Estrasburgo.
No final da tarde, aguardou num restaurante um pequeno grupo internacional de jornalistas de investigação, a que se juntaram alguns detectives da INTERPOL. Jantaram, depois de uma esclarecedora reunião de trabalho.
Ligou o computador.
Trabalhou sobre algumas notas que a sua secretária particular havia deixado sobre a mesa. Lançou-se sobre o relatório. Finalmente estabelecera as ligações de cúpula entre certos grupos radicais islâmicos, movimentos de extrema direita, o negócio internacional de armas de guerra, esquemas e métodos de lavagem de dinheiro proveniente do submundo da droga e infiltrações de grupos religiosos cristãos, de diversas tendências, bem como apoios financeiros de grupos sionistas, junto de altos responsáveis políticos dos mais variados quadrantes.
Redigiu a denúncia e anexou factos, testemunhos e provas irrefutáveis, que vinha acumulando ao longo do tempo, guardadas no seu cofre forte particular.
Entregou o relatório de denúncia a um emissário diplomático, que tinha previamente convocado, e que aguardava a sua chamada num determinado departamento do mesmo edifício.
Trabalhou ainda um pouco mais sobre um outro projecto de carácter pessoal, que enviou por email.
Dispunha-se a terminar quando ouviu um ruído estranho proveniente do corredor de acesso ao seu gabinete.
Enquanto se levantava viu abrir-se a porta e, abruptamente, entrar dois homens armados, que reconheceu de entre as fotos que há pouco anexara ao relatório.
Um deles avançou, com um ar displicente e irónico, e exclamou:
- «Privilegiamos o que nos aproxima!»
Disparou.
Amin caiu, mortalmente ferido, sobre a sua mesa de trabalho.
Uma enorme e prolongada salva de palmas inundou a sala.
Ergueu-se, a agradecer.
Acabava de sobreviver através da descrição da sua própria morte, num relato dramático da sua vida que acabara de enviar por correio electrónico e agora se representava em teatros por todo o Mundo.
sexta-feira, abril 15, 2005
Um Conto (II)
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4 comentários:
Interessante, amigo Baeta. Faça favor de continuar!
clap,clap,clap, inevitavelmente... como se faz numa sala de teatro! ;)
beijinhos
Esperava um singelo conto e afinal há por aí muita produção.Bom trabalho.
"Se procurar bem você acaba encontrando não a explicação ( duvidosa ) da vida, mas a poesia ( inexplicável ) da vida"
-Carlos Drummond de Andrade.
acho que a encontrei, explicavelmente, no espanto final.
- gabriela rocha martins.
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