sexta-feira, abril 30, 2004

Homenagem a Gastão Cruz

Gastão Cruz foi de entre os poetas contemporâneos algarvios o que primeiro identifiquei, já lá vão umas dezenas de anos, como meu conterrâneo. Estou a referir-me ao Algarve e não a Silves. Neste meu blog, embora sempre tivesse um lugar reservado para ele, umas vezes por uma coisa, outras vezes por outra, não tinha ainda tido o ensejo de publicar um dos seus poemas. Mesmo ontem, quando já era conhecedor do seu Grande Prémio de Poesia, atribuído pela Associação Portuguesa de Escritores, o preteri, em função da continuidade dos poemas de Luiza Neto Jorge.

O poema que escolhi, de Rua de Portugal, Assírio & Alvim, Lisboa, 2002, precisamente a obra premiada, lembra-me, pela temática, alguns dos escritos do meu amigo José Carlos Barros, de Um pouco mais de Sul:

  • Duas Hortas (Estoi)

    Havia a horta havia
    um limoeiro
    ao fundo alfarrobeiras à frente as
    oliveiras, no muro uma passagem
    depois de atravessarmos
    a estrada

    Na horta atrás da casa laranjeiras
    figueiras e uma
    romãzeira junto à nora

    Às vezes vagarosa a mula com antolhos
    rodava toda a tarde
    fazendo os alcatruzes despejar
    incessantemente água


Não consigo resistir. Tenho aqui um outro. (Também não é todos os dias que se ganha um grande prémio de poesia)
  • ALGARVE

    A luz amadurece as
    pedras e os figos nos lados dos caminhos
    adoça as alfarrobas fende a casca
    cinzenta das
    amêndoas e desprende-as
    varejamos
    as que ficam presas de leve
    aos ramos;
    no armazém da casa amontoadas
    descascar as
    amêndoas o verão

3 comentários:

Anónimo disse...

tarde no tempo só há alguns anos poucos, "vi" Gastão Cruz. Este brio nacional do chegar atrasado português! Nesse então, não o li no papel, assisti a leitura de poemas pelo próprio poeta. Num meio de pessoas impamtes que pouco sabem e, por isso, pouco dizem, ele há gesto e voz simples que se chama, pelo meu modesto dicionário, poesia, servida em prato de saberes, também chamadado cultura. fcr.

Anónimo disse...

Só mais um poema deste algarvio poeta.

ESTRADA

A bátega do corpo
incorporado num céu feito de
carne
desenha a fogo a estrada que reúne
as margens que separa
se o futuro
se apaga no futuro se todo o tempo
é guerra e
a pele dos homens tatuagem

Um abraço

Anónimo disse...

[para o Gastão]:
Deixo o meu contributo com dois textos (meus), um poema (dele) e uma imagem (a sua). Ele merece ainda mais...
Cumprimentos do helder-)