Não passo pelos blogs sem visitar Um pouco mais de Sul. Não é uma obrigação, antes a satisfação de um desejo que se cumpre na leitura dos escritos do jcb, que ali quase diariamente me deixa, para que as colha, pequenas sínteses de vivências com sabor a poesia.
Este fim-de-semana, mais exactamente no domingo à tarde, fiquei preso por longo tempo num seu poema, daqueles que ele nos deu a conhecer e que sentimos correr como a água de que falam, que tratam pelos seus nomes os animais e as árvores, que evocam utensílios que vão perdendo o uso, que arrastam aromas de ervas de que se fazem chás ou mezinhas e paladares esquecidos nos muros brancos, abandonados, que demarcavam quintas onde havia dessa água, dessas árvores, desses cheiros e sabores que quase só restam na memória.
Da janela vê-se ao fundo a bruma que
levanta, os primeiros nomes do mundo oscilam
pelos muros altos, não tarda sobre as águas
a calhandra, o fósforo da pedra à luz
caiada da manhâ. Raparigas passarão
descalças na linha da margem com maçãs e
nozes, cântaros castanhos à cabeça, rosas
que os cabelos não seguram muito tempo. O
dia claro inunda como um sopro as folhas
do negrilho antigo, mistura os seus
declives ao odor dos púcaros suspensos da
parede: melancólico dia sem outros fios
que os de prender o caminho à casa e ao
silêncio o corpo quebrado nas horas tardias.
José Carlos Barros
Uma Abstracção Inútil
editorial declives
Évora 1991
Prémio Nacional de Poesia Sebastião da Gama, 1990
Antes de sair não posso deixar de agradecer a referência elogiosa que me deixou o Helder Raimundo no seu Contrasenso. Obrigado!
2 comentários:
António: na verdade, quando passo pela blogosfera, é-me impossível - e não é um estímulo mecânico -, mas mais do que isso um desejo de encontrar palavras da doce poesia árabe, um talvez mais um poema das tuas descobertas sulistas (direi melhor, mediterrânicas) e fico sempre satisfeito. Mais ainda, quando completo o prazer bebendo aromas, sabores frescos e humor profético, das palavras do jcb, do José Carlos Barros, pois claro...
Um abraço do Helder.
António e Helder: um abraço!...
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