Na sequência do 8º aniversário da morte de David Mourão Ferreira quero compartilhar um seu poema, que tem muito a ver com estas noites quentes do verão que se aproxima e que considero um dos mais eróticos que conheço, se bem que estas coisas do erotismo estejam carregadas de subjectividade.
Retirei-o da Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa, de Eugénio de Andrade, numa edição de Campo das Letras, Porto 1999, que "me ofereci" pelo meu aniversário, em 2002.
- NOCTURNO
Eram, na rua, passos de mulher.
Era o meu coração que os soletrava.
Era, na jarra, além do malmequer,
espectral o espinho de uma rosa brava...
Era, no copo, além do gim, o gelo;
além do gelo, a roda de limão...
Era a mão de ninguém no meu cabelo.
Era a noite mais quente deste verão.
Era, no gira-discos, o Martírio
de São Sebastião, de Debussy...
Era, na jarra, de repente, um lírio!
Era a certeza de ficar sem ti.
Era o ladrar dos cães na vizinhança.
Era, na sombra, um choro de criança...
3 comentários:
Meu caro:
Já se passaram oito anos?
Fui amigo do David e esse é um dos poemas dele que há muito sei de cor.
O abraço de sempre e obrigado.
Curiosamente também sei este poema de cor faz muito tempo.
Outro abraço.
Já conhecia este texto. Maravilha. Um misto de desejo, sonho e realidade, um ténue fio narrativo, em três actos, o simbolismo de rosa e lírio ( memória de Garrett? ), uma separação amargurada, no choro de criança.
P. S. O David era um entre muitos Não passava despercebido, mas também não polarizava as atenções. Fizemos um teste sobre G. Vicente. Todos sabíamos muito, escrevemos páginas e páginas, com citações e tudo, ele escreveu meia página, M. de Lurdes Belchior leu e deu-lhe a nota máxima. Era um texto diferente dos da arraia miúda, síntese dum saber pessoal e amadurecido, nós repetíamos, ele criava.fcr.
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