Continuo a ler Casimiro de Brito, n'A Barca do Coração (Campo das Letras, Porto):
"Vou continuando. Pode ser que se salve alguma coisa, algum pó de areia, alguma metáfora. E então terá valido a pena.
O circuito é assim: da coisa ao nome; do nome aos sentidos e à mente; da mente ao desejo; do desejo ao nome; e à coisa - e comprá-la, esta e não aquela, e depender dela. O circuito sadomasoquista que domina o mundo comercial, o mercado, a ideologia mercantil enquanto religião dominante. Agressores que agridem mais duro porque não têm respostas, embora as usem a todo o momento, e talvez até tenham consciência da sua fragilidade, de que procuram esquecer-se, o tempo é agora, dominemos. E por isso dominam e desgovernam, governam-se. Como se não houvesse, como se não conhecessem o vazio. E o pó. O pó que só a poesia levanta. E a dúvida. Mas a poesia é um desdomínio. Uma voz fugidia no meio das sombras. A dúvida, essa, é o lugar por excelência da hesitação. Que também lhes serve. Leva-os a aperfeiçoar a terra com que nos enleiam."
No "diário" de Casimiro de Brito, no texto relativo ao dia 25 de Janeiro, segue-se um poema de Anacreonte, que colocarei aqui amanhã, ou num outro dia em que as minhas palavras se calem ou as dos outros se tornem imperiosas.
Sem comentários:
Enviar um comentário