Promontório e Ermida da Senhora da Rocha, Lagoa, Algarve
Senhora da Rocha
Tu não estás como Vitória à proa
Nem abres no extremo do promontório as tuas asas
Nem caminhas descalça nos teus pátios quadrados e caiados
Nem desdobras o teu manto na escultura do vento
Nem ofereces o teu ombro à seta da luz pura
Mas no extremo do promontório
Em tua pequena capela rouca de silêncio
Imóvel muda inclinas sobre a prece
O teu rosto feito de madeira e pintado como um barco
O reino dos antigos deuses não resgatou a morte
E buscamos um deus que vença connosco a nossa morte
É por isso que tu estás em prece até ao fim do mundo
Pois sabes que nós caminhamos nos cadafalsos do tempo
Tu sabes que para nós existe sempre
O instante em que se quebra a aliança do homem com as coisas
Os deuses de mármore afundam-se no mar
Homens e barcos pressentem o naufrágio
E por isso não caminhas cá fora com o vento
No grande espaço liso da luz branca
Nem habitas no centro da exaltação marinha
O antigo círculo dos deuses deslumbrados
Mas rodeada pela cal dos pátios e dos muros
Assaltada pelo clamor do mar e a vemência do vento
Inclinas o teu rosto
Imóvel muda atenta como antena
Sophia de Mello Breyner Andresen
Mar
Editorial Caminho, Lisboa 2001
3 comentários:
Saudade!
AUSÊNCIANUM DESERTO SEM ÁGUA
NUM PAÍS SEM NOME
NUMA NOITE SEM LUA
NUMA TERRA NUA
POR MAIOR QUE SEJA O DESESPERO
NENHUMA AUSÊNCIA É MAIS FUNDA DO QUE A TUA.
SOPHIA
Sophia, ainda uma outra vez, e sempre.
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