Retorno a Casimiro de Brito. Hoje, na página do seu diário com data de 20 de Julho:
- Sophia de Mello Breyner Andresen
(Porto, 1919)
Meditação do Duque de Gândia sobre a morte de Isabel de Portugal
Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.
Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.
Nunca mais servirei quem não possa viver
Sempre,
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória, a luz e o brilho do teu ser,
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência,
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.
Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
Ensino à menina: os castelos que fazemos na areia desmoronam-se em poucas horas. Não chores. As casas onde moramos duram um pouco mais. E nós, pai? Umas vezes um pouco mais, outras vezes um pouco menos.
Escrever é como se fosse na areia. As palavras têm a intensidade de uma concha na palma da mão - uma concha que tivesse também um coração. Vem depois uma onda, um rebanho de ondas que levam a concha para longe. O mistério do coração.
A poesia de Sophia. Tanta serenidade. Parece que há só luz. A luz de uma escrita que "transcreve" o essencial da vida, ao lado e longe e dentro e ainda longe do sujo, embora o aceite, embora o resuma. Uma luz que dói. Uma dor que ela parece aceitar como se fosse apenas o mundo a mudar, o corpo. Assim é.
1 comentário:
escrever é como se fosse na areia, mas os poetas procuram as heranças e o papá publica o primeiro livro (e o segundo, e o terceiro até haver audiência ou editora de amigos que continue o favor da eternidade). Depois moramos, não por capricho do destino, uma vivenda na orla costeira e escrevemos escrevemos escrevemos poemas sobre o mar.
www.indolentia.blogs.sapo.pt
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