segunda-feira, julho 05, 2004

Sophia, ainda uma outra vez

Promontório e Ermida da Senhora da Rocha, © Escola Secundária Padre António Martins de Oliveira
Promontório e Ermida da Senhora da Rocha, Lagoa, Algarve
  • Senhora da Rocha

    Tu não estás como Vitória à proa
    Nem abres no extremo do promontório as tuas asas
    Nem caminhas descalça nos teus pátios quadrados e caiados
    Nem desdobras o teu manto na escultura do vento
    Nem ofereces o teu ombro à seta da luz pura

    Mas no extremo do promontório
    Em tua pequena capela rouca de silêncio
    Imóvel muda inclinas sobre a prece
    O teu rosto feito de madeira e pintado como um barco

    O reino dos antigos deuses não resgatou a morte
    E buscamos um deus que vença connosco a nossa morte
    É por isso que tu estás em prece até ao fim do mundo
    Pois sabes que nós caminhamos nos cadafalsos do tempo

    Tu sabes que para nós existe sempre
    O instante em que se quebra a aliança do homem com as coisas
    Os deuses de mármore afundam-se no mar
    Homens e barcos pressentem o naufrágio

    E por isso não caminhas cá fora com o vento
    No grande espaço liso da luz branca
    Nem habitas no centro da exaltação marinha
    O antigo círculo dos deuses deslumbrados

    Mas rodeada pela cal dos pátios e dos muros
    Assaltada pelo clamor do mar e a vemência do vento
    Inclinas o teu rosto

    Imóvel muda atenta como antena


Sophia de Mello Breyner Andresen
Mar
Editorial Caminho, Lisboa 2001


3 comentários:

Anónimo disse...

Saudade!

Anónimo disse...

AUSÊNCIANUM DESERTO SEM ÁGUA
NUM PAÍS SEM NOME
NUMA NOITE SEM LUA
NUMA TERRA NUA
POR MAIOR QUE SEJA O DESESPERO
NENHUMA AUSÊNCIA É MAIS FUNDA DO QUE A TUA.
SOPHIA

Anónimo disse...

Sophia, ainda uma outra vez, e sempre.