O post de ontem foi escrito na sequência de uma viagem de fim de tarde pela Serra de Silves, que não tinha voltado a visitar desde que o fogo a consumiu, em grande parte.
Fui até à aldeia abandonada do Talurdo e aí recordei um texto de uma anterior visita, onde exprimia os sentimentos que me despertaram essa aldeia. Tal como agora.
É um excerto desse texto que vos trago hoje. Amanhã continuarei com o resto.
(...)
A primeira grande impressão é a do peso do silêncio, a impedir o pronunciar de uma palavra, a abafar na garganta o grito que nos apetece fazer sair como forma de quebrar a estranha sensação de mistério que nos invade face aos testemunhos, estranhamente vivos, da presença humana. São as casas vazias onde se adivinha a mãe na cozinha a tratar do jantar, o pai no estábulo de volta dos animais que regressaram à aldeia, ao pôr-do-sol, recebidos pela gritaria alegre da criançada, a avó que à porta chama, ao longe, o neto retardatário, que ali ficou, junto à mina de água fresca ou na margem do ribeiro, absorto no saltitar da água - é que o cair da tarde cava uma tristeza cá dentro, no peito dum homenzinho que anseia tornar-se um homem!
Não há ninguém.
Quem teria construído e vivido nestas casas? Como e de que viviam as pessoas que nos esforçamos por imaginar a lavrar aqueles campos, a deslocar as dornas e pipas que ali estão, nos armazéns, a apanhar a lenha que aquecia aqueles fornos de pão, a pôr a albarda abandonada sobre o burrico que os levaria, serra acima, até à povoação mais próxima, para comprar o tecido para o vestido da mais nova, uns sapatos para o Zé, que já estão gastos, um arroz, que sempre batata e couve também cansa, e levar a farinha que o moleiro trabalhou e o medronho que o pai garante como o mais macio que alguma vez aquele alambique tenha produzido.
(...)
No passado Domingo, no Talurdo, havia uma casa habitada. Não vi ninguém, mas a casa estava caiada, a porta aberta, e a presença humana era denunciada pelo latido dos cães e o cacarejo das galinhas.
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