É tempo de terminar este meu texto, iniciado há dois dias.
(...)
Passado algum tempo, do tubo final da serpentina, que despontava ao fundo da parede do pilão, sobre uma vasilha de plástico, começava a sair um líquido morno, meio turvo.
- - Isto já é medronho, Sr. José Joaquim?
- Ainda não. Isso é a frouxa. Quer ver?Partiu um pauzinho pequenino e com ele revolveu um pouco daquela "frouxa" que havia recolhido num cálice de vidro.
- Está a ver? Ainda não faz bolhas. Quando fizer bolhas, que se fiquem durante algum tempo, então já é medronho. 'Tá a ver este ferro aqui, ao pé da chaminé? É o registo. Puxo ou empurro um bocadinho para que a saída do medronho seja sempre a mesma. É que o correr do medronho tem a ver com a temperatura do forno e não se pode deixar afogar. Isto é como uma criatura viva. Se lhe tapo o ar, o fogo morre afogado.
E, como se falasse de um filho doente, carenciado de cuidados, continuava:
- Quando 'tou no fabrico não saio daqui. Só p'ra ir buscar uma "bucha" ou fazer qualquer coisa assim rápido. Tenho que estar sempre a vigiar.
Tomou na mão o que me pareceu um tubo, rolhado. Era de cana e continha um instrumento que mais parecia um termómetro. Mergulhou o tubo no líquido, que da serpentina corria lenta e regularmente para a vasilha, encheu-o e nele colocou o tal "termómetro".
- - 'Tá mesmo boa. 'Tá a sair aí com uns 20 graus, quase 21.
Era um densímetro, um "pesa espíritos", que mergulha mais ou menos conforme a densidade do líquido e cuja escala indica a graduação alcoólica do medronho.
- - Agora faz uma aljofa boa!
- Aljofa, Sr. José Joaquim?
- Sim. As bolhas - explicou - quer provar?Um calorzinho saboroso espalhou-se-me pelo estômago, um delicado sabor adocicado, a medronho, chegou-me ao paladar e, ao respirar, um cheiro inebriante atravessou-me o nariz. Era a água-ardente de medronho, de sabor que há muito não experimentava e que já raramente reconheço nos restaurantes ou nos cafés quando o bebo no convívio entre amigos.
- É que agora há pr'aí muita falcatrua! Até já se fabrica medronho sem medronho - brincou, jocoso - devia haver uma protecção ao fabricante e até uma fiscalização, para reabilitar o nome desta bebida. Olhe que eu já fui premiado numa feira de artesanato. Até tenho uma fotografia com aquela senhora que organiza a feira. Não a conhece?
Na sequência destes incêndios que destruíram grande parte da floresta, interrogo-me quanto à produção de medronho e à sobrevivência económica desta gente que vivia dos produtos da serra.
Curiosamente, o Sr. Ministro da Agricultura tem hoje agendada uma visita a Silves para um debate sobre as consequências do fogo e o ordenamento florestal.
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