quinta-feira, setembro 25, 2003

A Alquimia do Medronho (conclusão)


É tempo de terminar este meu texto, iniciado há dois dias.
  • (...)
    Passado algum tempo, do tubo final da serpentina, que despontava ao fundo da parede do pilão, sobre uma vasilha de plástico, começava a sair um líquido morno, meio turvo.

      - Isto já é medronho, Sr. José Joaquim?

      - Ainda não. Isso é a frouxa. Quer ver?

    Partiu um pauzinho pequenino e com ele revolveu um pouco daquela "frouxa" que havia recolhido num cálice de vidro.

      - Está a ver? Ainda não faz bolhas. Quando fizer bolhas, que se fiquem durante algum tempo, então já é medronho. 'Tá a ver este ferro aqui, ao pé da chaminé? É o registo. Puxo ou empurro um bocadinho para que a saída do medronho seja sempre a mesma. É que o correr do medronho tem a ver com a temperatura do forno e não se pode deixar afogar. Isto é como uma criatura viva. Se lhe tapo o ar, o fogo morre afogado.

    E, como se falasse de um filho doente, carenciado de cuidados, continuava:

      - Quando 'tou no fabrico não saio daqui. Só p'ra ir buscar uma "bucha" ou fazer qualquer coisa assim rápido. Tenho que estar sempre a vigiar.

    Tomou na mão o que me pareceu um tubo, rolhado. Era de cana e continha um instrumento que mais parecia um termómetro. Mergulhou o tubo no líquido, que da serpentina corria lenta e regularmente para a vasilha, encheu-o e nele colocou o tal "termómetro".

      - 'Tá mesmo boa. 'Tá a sair aí com uns 20 graus, quase 21.

    Era um densímetro, um "pesa espíritos", que mergulha mais ou menos conforme a densidade do líquido e cuja escala indica a graduação alcoólica do medronho.

      - Agora faz uma aljofa boa!

      - Aljofa, Sr. José Joaquim?

      - Sim. As bolhas - explicou - quer provar?

    Um calorzinho saboroso espalhou-se-me pelo estômago, um delicado sabor adocicado, a medronho, chegou-me ao paladar e, ao respirar, um cheiro inebriante atravessou-me o nariz. Era a água-ardente de medronho, de sabor que há muito não experimentava e que já raramente reconheço nos restaurantes ou nos cafés quando o bebo no convívio entre amigos.

      - É que agora há pr'aí muita falcatrua! Até já se fabrica medronho sem medronho - brincou, jocoso - devia haver uma protecção ao fabricante e até uma fiscalização, para reabilitar o nome desta bebida. Olhe que eu já fui premiado numa feira de artesanato. Até tenho uma fotografia com aquela senhora que organiza a feira. Não a conhece?




Na sequência destes incêndios que destruíram grande parte da floresta, interrogo-me quanto à produção de medronho e à sobrevivência económica desta gente que vivia dos produtos da serra.
Curiosamente, o Sr. Ministro da Agricultura tem hoje agendada uma visita a Silves para um debate sobre as consequências do fogo e o ordenamento florestal.

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