quarta-feira, setembro 24, 2003

A Alquimia do Medronho


O texto - A aldeia abandonada-Talurdo - que transcrevi para um dos posts de ontem, fazia parte de um texto maior, com o título desta minha entrada e o subtítulo - À dimensão do corpo e dos sentidos - cuja continuação prometi para hoje.
Junto, como que por sugestão de um comentário de ontem, do Manuel Ramos, uma fotografia do Talurdo, ao tempo daquela escrita (Janeiro de 1994).

  • (...)
    Naquele Sábado voltámos à Serra, mas a outro lugar. Fomos a casa do Sr. José Joaquim na hora de fabricar medronho, produção que concluímos ser uma das grandes bases económicas da aldeia. No Talurdo o medronho também já não vivia.

    Vimo-lo então naquela manhã de Sábado. A dorna então vazia estava agora cheia de medronhos e água, desde há mais de um mês, fermentando. Um cheiro acre invadia as narinas e o gosto açucarado do fruto do medronheiro, que tínhamos provado no Talurdo, desaparecera já, num fruto que provámos retirado da dorna. Foram precisas muitas horas, muito suor, muitos rasgões de silvas na pele e na roupa, para apanhar aquelas nove a dez arrobas que ali fermentavam.

      - Não. Não é preciso pesar! Toma-se a olho.

    Limpa a caldeira, de cobre a rebrilhar, aceso o forno de lenha de pinho e de eucalipto, ou até de esteva, a crepitar, é a vez do conteúdo da dorna seguir outro caminho. Com os medronhos já na caldeira, o Sr. José Joaquim foi buscar uma prancha de cortiça que cobriu com um pouco de serrapilheira, talvez dos sacos do adubo, colocou-a sobre o forno, junto à caldeira e ajoelhou-se nela, sentado sobre os pés. Era um árabe em oração. Segurou na pá e em movimentos arredondados, amplos, quase baléticos, foi mexendo aquela massa enquanto lhe misturava água, que ali chegava num tubo proveniente da mina próxima.

      - Quanta água põe agora Sr. José Joaquim?

      - Isto é um sentir. Quando puser a pá aqui em pé e ela tombar com um certo jeito, é tempo de fechar a água e, assim que ferva, colocar o cabeção.

    Aprontou o cabeção, colocou-o devagar sobre a caldeira acertando o tubo na serpentina, mergulhada em água no pilão ao lado. Mostrou nas suas mãos o que parecia ser um bolo de massa fresca, que dividia em pequenas porções e colocava nos encaixes do cabeção e da caldeira.

      - Isto é o "azeite", primeira camada dos medronhos que estavam na dorna. Faz-se esta massa que é uma cola que serve para tapar isto - e apontava os encaixes - p'ró vapor na' sair.
    (...)


Como o texto se alonga, para dimensões que não tornam a leitura atraente, terminarei amanhã. Está bem?

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