quinta-feira, janeiro 29, 2004

Assim eu fosse o seu espelho

Chegou o momento de vos trazer o prometido Anacreonte (Grécia, sécs. VI-V a.C.).

  • Assim eu fosse o seu espelho

    Assim eu fosse o seu espelho
    para poder captar o branco do seu olhar!

    Assim eu fosse o seu vestido,
    envolvendo-a sempre!

    Assim eu fosse a água que lava o seu corpo
    e o bálsamo perfumado que vai ungi-la!

    Assim eu fosse a faixa de linho
    que cinge os seus seios
    ou o colar que acaricia o seu colo!

    Assim eu fosse a sandália
    que ela pisa!

quarta-feira, janeiro 28, 2004

Cortar a dor. Deixar as facas.

  • "Saem da Baraca Malgóss de cabeça baixa e sem olharem para trás, pés descalços na terra vermelha. Lenços cobrem-lhes as cabeças e as caras, panos coloridos comprados pela família especialmente para a ocasião tapam-lhes os corpos, mais ou menos infantis. A cabeça toca as costas da menina que vai na frente, para tentar manter no trilho o comboio para a idade adulta. A máquina fotográfica dispara. Os olhos assustados, até aqui colados ao chão, espreitam timidamente por uma nesga do lenço. É medo o que trazem inscrito. Provavelmente medo de algo que não vai acontecer, mas que lhes disseram que doía muito. As mãos estancam à porta do ventre que não lhes vão roubar."


O texto acima é um excerto de um dossier do Público, sob o título Cortar a dor. Deixar as facas. Descreve a problemática que se coloca face à luta contra a mutilação genital feminina na Guiné-Bissau, assumida pelo projecto Sinin Mira Nassiquê (SMN) e outras organizações não governamentais.

Despertou a minha atenção um post sobre o mesmo assunto que li em Little Black Spot.

Recomendo vivamente a leitura do dossier, a que se pode aceder online por via do link que deixei acima e agora aqui também: Cortar a dor. Deixar as facas.

terça-feira, janeiro 27, 2004

Incertezas e irrelevâncias

Depois de Paul O'Neill, David Kay, Dick Cheney... terem vindo a terreiro levantar as suas dúvidas sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque, aparece agora Colin Powell, que nas Nações Unidas exibiu uma "ampola mortífera", a duvidar da existência daquelas armas.

Valerá a pena esperar pela justificação de Durão Barroso, que não tinha dúvidas sobre o assunto e ainda não confirmou ou desmentiu a sua posição?

segunda-feira, janeiro 26, 2004

Levantando pó, ao Domingo

Continuo a ler Casimiro de Brito, n'A Barca do Coração (Campo das Letras, Porto):

  • "Vou continuando. Pode ser que se salve alguma coisa, algum pó de areia, alguma metáfora. E então terá valido a pena.

    O circuito é assim: da coisa ao nome; do nome aos sentidos e à mente; da mente ao desejo; do desejo ao nome; e à coisa - e comprá-la, esta e não aquela, e depender dela. O circuito sadomasoquista que domina o mundo comercial, o mercado, a ideologia mercantil enquanto religião dominante. Agressores que agridem mais duro porque não têm respostas, embora as usem a todo o momento, e talvez até tenham consciência da sua fragilidade, de que procuram esquecer-se, o tempo é agora, dominemos. E por isso dominam e desgovernam, governam-se. Como se não houvesse, como se não conhecessem o vazio. E o pó. O pó que só a poesia levanta. E a dúvida. Mas a poesia é um desdomínio. Uma voz fugidia no meio das sombras. A dúvida, essa, é o lugar por excelência da hesitação. Que também lhes serve. Leva-os a aperfeiçoar a terra com que nos enleiam."


No "diário" de Casimiro de Brito, no texto relativo ao dia 25 de Janeiro, segue-se um poema de Anacreonte, que colocarei aqui amanhã, ou num outro dia em que as minhas palavras se calem ou as dos outros se tornem imperiosas.

sexta-feira, janeiro 23, 2004

Este apego à terra natal

Ibn Sidmir, viveu em Silves e deve ter escrito este seu poema num exílio forçado, já depois da conquista cristã.


  • agrada-te a brisa do alvorecer
    e o fulgor do relâmpago
    quando brilha e se apaga?
    e também as avezinhas no ramo arrulhando
    e as nuvens prenhes de água gotejando?
    tudo isto são temas para o amor,
    mas qual o enamorado que não chora?
    eu,
    não fossem brisa, relâmpago,
    pombas que arrulham, e nuvens,
    não saberia amar.
    tudo me recorda Silves,
    mas, ai de mim, como está distante!
    tão longe,
    que não poderei mesmo regressar!


ALVES, Adalberto
O meu coração é árabe
Assírio & Alvim, Lisboa 1998

P.S.

Tu, silvense de hoje, julgas que não há mundo além do teu, outra Silves que não a tua? Vê bem como os teus antepassados amavam a mesma terra que tu dizes amar. Estes poemas viverão para além de ti e, muito provavelmente, Silves será lembrada pelo testemunho destes poetas e talvez nada fique da tua memória ou da minha. Faz por conhecê-los melhor!

quinta-feira, janeiro 22, 2004

Mexida nos links

Chegou ao fim Murmúrios do Silêncio. Juntei a sua memória aos meus Blogs de Homenagem e aceitei a sugestão de continuar visitando a sua escrita em Sous les pavés, la plage!, cujo endereço incluí, de bom grado, junto aos meus Blogs de leitura diária.

Aproveitei a oportunidade para suprimir da lista de Blogs do Algarve alguns que julgo terem desaparecido definitivamente, sem dar "cavaco" a ninguém, e incluí Deslizar no Sonho, que há algum tempo queria anexar, mas umas vezes por esquecimento, outras por falta de tempo, outras ainda por preguiça, me têm impedido de fazê-lo. Afinal já era, há algum tempo, um blog de leitura diária, de uma poesia muito sensual, diria mesmo erótica, e incluindo imagens de apurado bom gosto (pelo menos do gosto que eu gosto).

quarta-feira, janeiro 21, 2004

Estas coisas de deus e não-deus

A religiosidade das pessoas é intocável. Defendo esta atitude, mas há pessoas sem religião, tão convictas como qualquer religioso convicto, cuja posição também não deveria ser molestada.

Num país onde a maioria é religiosa, o agnóstico ou o ateu são minoritários. Perante uma posições deísta, ou informa, simplesmente, que não é crente, ou reage, contrapondo ideias e estabelece-se um diálogo onde ninguém terá razão, pois a religião não é, acho eu, uma questão racional; os católicos afirmam tratar-se de uma questão de fé.

Proponho duas afirmações:

  • Deus é bom. Só faz o bem.
  • Se deus existe, é mau; uma catástrofe é indesculpável.

Como se sentem os não-crentes?
E os crentes?

P.S. Há deístas que não são religiosos. Falo em religiosidade para facilitar a exposição e a compreensão do que digo.

terça-feira, janeiro 20, 2004

A (de) Eugénio de Andrade

Parece que estou em maré de aniversários. Hoje (escrevi a 19) também faz anos Eugénio de Andrade, que além da sua poesia, me (nos) proporcionou a sua bela Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa (Campo das Letras, Porto), sobre a qual, debruçado, já passei longos momentos de paz e serenidade, quando não de desespero e inquietação.

  • A (de) Eugénio de Andrade

    Cantas. E fica a vida suspensa.
    É como se um rio cantasse:
    em redor é tudo teu;
    mas quando cessa o teu canto
    o silêncio é todo meu.

segunda-feira, janeiro 19, 2004

Parabéns, Joana!

© Marta Oliveira, Bolo, 18.Jan.2004
Também aqui, em casa, comemorámos o teu aniversário. A Marta quis tirar esta fotografia ao bolo.
Eu, já cheio de saudade, desde o Natal, deu-me para te recordar pequenina, muito loirinha. Os longos sonos, o leitinho, a papinha, os choros e também as nossas noites sem dormir. Depois dos monossílabos vieram os papa, mamã, papá e por aí adiante. Lembro frequentemente, não sei porquê, os fins de tarde, nas tias, à porta da mercearia esperando a mãe, que nesse ano trabalhava em Loulé. Os contos, as brincadeiras, a escola, as primeiras palavras lidas e escritas.
Os primeiros conflitos vieram com a adolescência, inevitavelmente, mas creio que sempre te surpreendemos pela forma como reagíamos e como ainda hoje te apoiamos nas tuas "aventuras".

Sê sempre feliz, minha filha!

sexta-feira, janeiro 16, 2004

Petição


Assine a Petição e apoie a recolha de assinaturas.
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quinta-feira, janeiro 15, 2004

15 de Janeiro

Todos os dias, um a um, vou lendo Na Barca do Coração (Campo das Letras), um diário de Casimiro de Brito, no ano 2000.

Hoje, 15 de Janeiro, quero partilhar convosco um excerto do seu diário neste mesmo dia, já lá vão 4 anos.

  • Silêncio, não há. Mas quando ouço música estou mais perto.

    O mais profundo que há no vinho, esse húmus da terra mas também da arte do homem, essa busca incessante, torna a vida leve, transparente, quero dizer, levemente obsessiva - o breve ardor do prazer.
    (...)

quarta-feira, janeiro 14, 2004

'Abd Allah Ibn Wazir

De família originária de Beja viveu no século XIII, o último da permanência islâmica no território que é hoje Portugal. Foi governador de Alcácer do Sal.

Apresento-vos hoje este seu poema, em tom satírico, que me ocorreu quando ontem voltei a ler o post que acabara de publicar.
Repete-se a torpeza daquele tempo.


  • não desesperes, hás-de ser califa
    pois não saiu a Ibn Amr na rifa
    chegar a chefe alfandegário?
    oh, que tempo este torpe e vário
    que em altos postos colocar soe
    quem mais que limpa-esgotos nunca foi.

ALVES, Adalberto
O meu coração é árabe
Assírio & Alvim, Lisboa 1998

terça-feira, janeiro 13, 2004

Bush ou O'Neill?

Atente-se nesta notícia da jornalista Catarina van der Keller, da SIC, sob o título Presidente dos EUA "planeou a guerra no Iraque".

Um deles está está a mentir, foi desonesto.
Qual deles?

segunda-feira, janeiro 12, 2004

O "debate"

Os comentários que me foram dirigidos em resposta ao texto Honestidade e Pragmatismo, a que faço referência no post abaixo, permitiram-me alguma reflexão. Quero dar-vos conta do que pensei sem pretender insistir na continuação do debate. Nada de científico, nada de muito sério, nada de definitivo, mas penso assim:

    Nós, seres humanos, vivemos no essencial fazendo por suprir as nossas necessidades mais primárias, mas como somos seres gregários e inteligentes, a vida em sociedade também é uma das nossas necessidades primárias. No fundamental, com esta minha asserção quero significar que todos somos egoístas; mesmo quando assumimos atitudes altruístas, o que no fundo procuramos é satisfazer o nosso ego, que também vemos projectado na imagem que a sociedade devolve de nós próprios.
    A honestidade é um valor para mim, ser humano, enquanto satisfaz o meu ego de forma directa ou por reflexo no espelho que é a sociedade ou a(s) franja(s) da sociedade que eu valorizo, porque mais me satisfaz(em).
    Concluindo e usando uma expressão do "Pirata": é uma questão "de equilíbrio". Nós, seres humanos, usamos de honestidade enquanto nos satisfaz, não como um prazer que se esgota com a sua fruição, antes como um valor, que estimamos através do reflexo que causamos; se não o vemos como seria o nosso desejo, sistematicamente, tentamos equilibrar o nosso comportamento, usando de mais ou de menos.


Já reli (mais do que uma vez) o que escrevi atrás e já estava disposto a alterar algumas coisas. É esta "incerteza". Respondo agora à questão que me colocava em 6 de Janeiro:
    A honestidade, a responsabilidade e o respeito pela palavra dada, a ética profissional, serão valores em extinção, em conflito com o progresso e as mudanças inerentes?

    - A honestidade está em conflito com a sociedade em que vivemos.
Só há duas maneiras de mudar o que vemos no espelho: ou nos mudamos a nós próprios ou tentamos mudar o espelho.

sexta-feira, janeiro 09, 2004

Moral e Amoral

Este meu post é um post de agradecimentos.
A Rui Semblano, d'A Sombra, pelo esclarecimento que me prestou (redigido enquanto saboreava um "Monte Cristo", como prometera), em texto com data de hoje e que intitulou A Armadilha Diabólica.
Este seu esclarecimento responde ao meu apelo de 6 de Janeiro, em Honestidade e Pragmatismo, ao qual também reagiu, em comentário junto ao referido post, Tchernignobyl, do Blogue de Esquerda, a quem já agradeci e torno a agradecer. Também Asul se me dirigiu, na área dos comentários, mas, como ele próprio refere, a sua questão não era a minha. Obrigado também pela sua reacção.
Deixo-vos com estas opiniões. Se a questão que levantei for também uma das vossas inquietações, espero que estes esclarecimentos vos sirvam, como serviram a mim. A questão mantém-se em aberto e receberei com agrado mais contributos.

P.S. Entretanto, o Blogger.com não me deixou colocar este post e recebi um email anunciando um novo comentário. O bekbekbek também resolveu participar no "debate". Obrigado!

P.S.(2) - Linha de Cabotagem também comentou sobre Honestidade e Pragmatismo já tarde na noite de 9 de Janeiro, portanto com data de 10. Obrigado, Sara.

P.S.(3) Ainda a Retorta que também colaborou, em comentário junto ao meu post de 6 de Janeiro, se bem que já tarde, domingo adentro. De novo, obrigado.

quinta-feira, janeiro 08, 2004

O Teatro Mascarenhas Gregório

© António Guerreiro
© António Guerreiro - Teatro Mascarenhas Gregório (Silves), em restauro.

Sempre me encantou este velho teatro. E encanta-me ainda este "esqueleto" tão equilibrado, tão harmonioso.
Já não sou do tempo das grandes estreias, nem das grandes companhias, como contava a minha mãe. Mesmo na minha infância já só se assistia às récitas dos "meninos do colégio" ou dos grupos amadores locais. Depois veio o tempo do cinema, dos filmes das campanhas do Estado Novo pela alfabetização e a interdição da sala para espectáculos. Apesar desta interdição foi, durante décadas, a sede da Sociedade Filarmónica Silvense, com os seus bailes, os seus concertos e, de novo, as récitas e as peças de teatro dos grupos amadores locais (com todo o respeito que me merecem).
Apesar desta descrição tristonha e de sabor provinciano, recordo um grande espectáculo de canto e teatro, com texto de Bertolt Brecht e música de Kurt Weill, integrado numa edição da "Festa da Paz e da Cultura" e uma fabulosa noite com Paredes e Vitorino de Almeida.
Degradou-se pela idade e pelo uso até à sua quase completa degenerescência.
Está agora em restauro, sob a responsabilidade do arquitecto Castanheira, também um homem do palco e com um invejável currículo de restauros em velhos teatros, nomeadamente em Espanha.
E depois?
Que estruturas técnicas e humanas existem para edificar um projecto criterioso para aquele edifício? Que meios financeiros?
É que, sem a criação dessas estruturas técnicas, humanas, financeiras, com um plano de base que vise a formação de públicos diversificados, teremos um edifício fechado na maior parte do tempo, com um programa sujeito à oferta ocasional, ou, no pior mas mais credível dos cenários, ao serviço do gosto bacoco e novo-rico dos musicais e revistas na moda ou das propostas alarves dos programas de recreação à maneira da SIC ou da TVI, tão ao gosto do "povo", como se diz, que tem costas suficientemente largas para ter que aguentar com o que lhe querem oferecer.
Não estou a defender o meu gosto, que provavelmente só mereceria também o interesse de muito poucos, mas a chamar a atenção para a necessidade da criação de uma estrutura profissional, que garanta que os dinheiros públicos sirvam a promoção da cultura e nos torne cidadãos mais capazes.

P.S. Este "recado", se bem que contextualizado localmente, serve para muitas outras situações semelhantes pelo nosso país fora e para outras construções que por aí se fazem, sem projecto que as sirva, muitas vezes só porque há dinheiro "de fora" para investir. (Veja-se a construção do Estádio do Algarve e outras que tais).

quarta-feira, janeiro 07, 2004

O primeiro poema de 2004

Ibn as-Sid al-Batalyawsi é natural de Silves (1052), mas a sua alcunha de al-Batalyawsi (o de Badajoz) revela a sua permanência prolongada nesta localidade. Foi um homem de letras, de reconhecida competência nas áreas da filosofia, gramática e humanidades. Faleceu em Valência (1127).


  • AMIGO, QUE vento é este hoje
    Que me traz memórias já esquecidas?
    Se o cabelo branco me enquadrou o rosto
    Hei-de ainda ser frívolo
    E deixar-me, portanto, seduzir
    Por uns lindos olhos de mulher?
    Ai de mim!
      Se me fitam carinhosos vivo
      Se se mostram cruéis creio morrer!
    Lua,
      Ao mostrares-me como sou decrépito
      Fizeste-me sentir tão desgraçado:
      Ostentando beleza na pujança
      Da própria felicidade te vestiste.

ALVES, Adalberto
O meu coração é árabe
Assírio & Alvim, Lisboa 1987

P.S. Permitam-me que dedique este poema a meu irmão José, no dia do seu aniversário.

terça-feira, janeiro 06, 2004

Honestidade e Pragmatismo

Num dos primeiros dias do ano assisti, por um dos canais de cinema da televisão, a um filme cujo título não mereceu tradução para português, a não ser pela substituição do "and" por "e" - State and Main (cruzamento de duas ruas na cidade de Waterford, Vermont, EUA).
Àquela pequena e tradicional cidade americana chega uma equipa de cinema, procurando uma velha azenha para cenário do filme, que acaba por provocar uma alteração radical na vida dos seus habitantes: há alteração na oferta dos cafés e lojas adaptando-se à procura que os novos clientes impõem, a mulher do presidente da câmara altera a aparência da sua moradia para nela receber, num grande jantar, os famosos actores e cineastas, o grupo de teatro local deixa de comparecer aos ensaios porque cada um pretende um lugar como figurante, as meninas perdem-se de amores pelo actor principal, os políticos adaptam-se às circunstâncias, promovendo-se e corrompendo-se, e a "intelectual" do sítio, possuidora de uma livraria e de uma imprensa, apaixona-se pelo argumentista, de ar desastrado e ingénuo, que pretende recuperar no cinema a "pureza" da arquitectura tradicional de alguns edifícios e o modo de vida rural e pacato de uma pequena comunidade.

Terminado este enquadramento, para entenderem aonde quero chegar, quero lembrar-vos que este tipo de alterações, mesmo sem cineastas, foi ocorrendo, desde o início dos anos 70, por todo este Portugal rural e tradicional a que chamamos de provinciano. É o progresso, o desenvolvimento.
Mas, não é o progresso, nem o desenvolvimento, nem sequer o saudosismo de alguma quietude passadista ou o tradicionalismo regionalista que quero convocar. O que me ocupa a mente é antes o perguntar-me se existirá alguma relação entre o desenvolvimento e a perda de alguns valores que ainda considero importantes, mas que se vão cada vez mais diluindo num "pragmatismo" de conveniência e de oportunismo.
O jornal daquela terrinha, Waterford, tinha como lema "Não cometer perjúrio" e foi este, na minha modesta opinião, o tema principal do filme, em torno de um acidente de automóvel que ocorreu no cruzamento da State e da Main (streets) e dos testemunhos em causa.
Regressando ao nosso tempo, ao nosso lugar e ao que observamos e aqui comentamos amiudadamente. A honestidade, a responsabilidade e o respeito pela palavra dada, a ética profissional, serão valores em extinção, em conflito com o progresso e as mudanças inerentes? Queria perguntar ao sociólogo de serviço nos blogs - Socioblogue2.0 - mas ele tem andado muito arredio.
Será que alguém me quer esclarecer? Sinceramente, ficarei agradecido.

P.S. Solicitei aos autores dos blogs que referencio como de minha leitura diária um comentário ou debate sobre este tema. Faço-o agora também aos meus leitores habituais. Aguardo o esclarecimento.

segunda-feira, janeiro 05, 2004

A armazenar esperanças

Sim. Com o armazenar de esperanças começou o novo ano: com os votos de Boas Festas, com os desejos de um Ano Melhor, com a aspiração à Felicidade, com o anseio por uma Saúde plena, enfim, com as maiores prosperidades.
O que é senão um armazenar de esperanças esta quase loucura colectiva que nos faz beber, comer, dançar até quase à exaustão, comemorando a vinda de um novo ano, que sucede a um mau ano e que desejamos melhor? De que modo o nosso desejo pode intervir no futuro, a não ser como reserva de esperança, fornecendo energias?

Homens, mulheres, crianças participam desta histeria colectiva. Nela se integram pais, mães e filhos. É universal, porque todos os povos nela participam, se bem que, conforme as civilizações, nem todos proclamemos a mesma data para tal acontecimento; acontecimento que até nem chega a existir, pois não passa de um mecanismo inventado pelos Homens de forma a proceder à contagem do decurso do tempo.

Outro momento colectivo de armazenamento de esperanças ocorreu no Domingo passado, mas desta feita foi uma questão nacional e tribal, nem sequer teve uma expressão maioritária neste pequeno universo português; estas questões tribais são resolvidas pelos homens, numa sociedade patriarcal como a nossa. As mulheres e as crianças sofrem a mera influência dessas vontades e desses actos. Num país onde as mulheres são a maioria, o acontecimento a que me refiro é mesmo minoritário. Numa nacionalidade quase que dividida por três tribos principais, a maioria das vezes com exclusão das restantes, a não ser em confrontos directos, mas onde todas estão sujeitas ao resultado dos acontecimentos que vierem a ter lugar, o armazenar de esperanças domina a mentalidade tribal.

No confronto do passado Domingo, o resultado deverá ter sido de Benfica 1 - Sporting 2.

P.S. Devo confessar que este texto antecedeu o confronto tribal e que, independentemente do resultado, o armazenar de esperanças aconteceu antes, durante e continuará mesmo depois do evento. A tribo derrotada já começou a armazenar esperanças para o próximo confronto.

P.S (2). Este 2º post scriptum serve para informar que me dei ao luxo de ir ao site oficial das tribos colher informações sobre as suas cores, também oficiais.




P.S (3). Por pouco acertava no resultado, felizmente a favor da minha tribo.

quinta-feira, janeiro 01, 2004

Ano Novo. Vida Nova.

Como vêem, voltei com um outro ar para enfrentar o 2004.

Com o castanho avermelhado do "grés de Silves" (rocha desta minha terra), demarco o território e dou o tom com que escrevo este blog.
Com o verde dos laranjais e desta flora mediterrânica, guardo a memória da cor do template anterior, que rememoro no passar dos dias.
Uso também o ouro (alaranjado), da cor deste Sol, mantendo a sua energia para separar colunas, descrever intenções e recordar os nomes dos que fazem a poesia.
Pinto de azul, da cor deste mar, aquilo a que me desejo linkar ou a que outros se linkem e me permite a comunicação nos dois sentidos.
Pincelo, ainda, de vermelho, as ligações exteriores enquanto activas.

Outras cores, para um novo ano, no desejo de um ano melhor.