quarta-feira, junho 01, 2005

Dos Adoches à Galé

É hoje o dia da abertura oficial da época balnear.
A data despertou-me recordações de menino em Armação de Pêra, uma das mais belas praias do meu Algarve, servida por um dos piores exemplos de como se deve fazer turismo em Portugal.

Trago-vos um texto que publiquei num jornal local, entretanto extinto, O Grés, em Agosto de 2000:

  • Dos Adoches à Galé

    Armação de Pêra, Junho 2005, © António Baeta OliveiraArmação de Pêra, Junho 2005, © António Baeta Oliveira

    Ainda nem se falava de ecologia e nada fazíamos para nos protegermos dos danos provocados pela radiação solar, mas íamos para a praia bem cedo.
    Aquela frescura da manhã, impregnada do cheiro da maresia e animada pela algazarra da azáfama da faina da pesca, com a lota mesmo ali, sobre a areia e o seu cantar repetitivo, ritmado, quase em paroxismo - ..., 49, 48, 47, 46, 45, ... - compõem, hoje, na minha memória, uma aguarela que adoraria possuir e que as fotografias da época, a sépia ou a preto e branco, não reproduzem no colorido pitoresco que agora me acode.

    Era ali a nossa praia, mesmo em frente ao que ainda hoje é o Serol. Junto à esquina, no outro lado da estreita ruela, havia uma velha senhora, de quem não recordo o nome, que numa enorme "panela" cozinhava, imaginem, batatas-doces, e que eram a atracção do meu tempo de menino, superior até aos sorvetes do Sr. Chico - o Chico dos Sorvetes.
    Quando ganhámos idade de começar a cobiçar as coisas que ostentavam as outras crianças, mudámos de praia.
    Explicou mais tarde a minha mãe que a economia da família não suportava o consumo de batatas-doces, sorvetes e outras solicitações de criança, que nos habituariam a um tipo de vida que não deveria ser o nosso.

    Razões económicas transferiram-nos para os Adoches.

    Nesta praia éramos praticamente só nós e outros amigos da nossa idade, os filhos do Sr. Luz, Conservador da Junta Autónoma das Estradas em Alcantarilha. Havia, no entretanto, uma multidão de outras crianças que não ia à praia com os pais, por razões económicas e sociais bem mais graves do que as nossas.
    Quando comecei a entender essas diferenças já ia à praia com os amigos, com partida marcada frente ao rio, em Silves, na camioneta do Sr. Estiveira, e então a praia era toda nossa - dos Adoches à Galé.

    Armação era a aldeia dos pescadores e pouco mais. Se estávamos nos Adoches, por um copo de água teríamos que calcorrear umas boas centenas de metros, até ao poço dos Horta Correia, um pouco antes do que viria a ser o Casino da Praia.
    Armação entretanto cresceu, bastante para os lados, mas bastante mais para cima, e por um pouco de frescura, por um poucochinho de verde, teremos que calcorrear toda a Vila para encontrar um jardinzinho, mesmo em frente do que era o poço dos Horta Correia, um pouco antes do já arruinado Casino da Praia.

    São razões económicas, de peso, mas de sentido contrário às da minha infância, que é imperioso contrariar para salvar Armação de Pêra, que ontem, hoje ou amanhã, por mais gente que cá queiram meter, continuará a estar confinada aos seus limites de sempre - dos Adoches à Galé.


1 comentário:

Torquato da Luz disse...

Emocionei-me. Será que o coração aguenta outros posts como este? O abraço de sempre, Toy.