Este será o meu último post de Setembro, pois irei ausentar-me até ao fim-de-semana por terras da Serra da Estrela. Não, não vou pelos desportos de Inverno. :-) Marcamos encontro aqui, no blog, na próxima segunda-feira.
Entretanto, deixo-vos com um poema de إبن حزم - Ibn Hazm (sécs. X-XI), de Córdova. Referindo-se à "Essência do Amor", no seu primeiro capítulo de "El collar de la paloma", fala-nos de um seu amigo caído nas malhas de uma absorvente e desesperada paixão e de quem, ao desejar-lhe o consolo divino, vendo-o assim tão triste, cabisbaixo e taciturno, não recebeu senão sinais de um marcante desagrado. Sobre uma situação semelhante teria, algum tempo antes, composto este poema:
Oh esperanza mía! Me deleito en el tormento que por ti sufro. Mientras viva, no me apartaré de ti. Si alguien me dice:«Ya te olvidarás de su amor», No le contesto más que com la ene y la o *.
P.S.* - “la ene y la o” quer dizer no, em castelhano, não, em português. No original está, naturalmente, “el lam y el alif”, o ل (l) e o ا (a) - لا (la), as letras que formam a negação. (Nota de edição, adaptada pelo a(post)ador).
المعتمد إبن عبّاد - Al-Mu'tamid Ibn 'Abbâd (1040-1095), nasceu em Beja, foi governador de Silves, rei de Sevilha e deportado para Aghmat, onde morreu. Nesta pequena localidade perto de Marraquexe, no Sul de Marrocos, ainda hoje, o seu túmulo é local de peregrinação. É ele o Sultão de Aghmat no poema de Mohamed Chacor.
El Sultán de Agmat
Agmat, dormido en el olvido, se incrusta, de súbito, en la historia. Peregrinar a este bosque de versos y suspiros, reverdece mis raíces del Sur. Pero no quiero sonrisas que lloran, ni cadáveres hechos de sueños rotos.
Quién salmodia aún una azora en la memoria del Rey Poeta? Acaso el hombre es un ángel ahogado en la desdicha? Es el recuerdo la única supervivencia? Si el tiempo no es favorable, no culpemos al destino. Nuestra existencia es destierro vitalicio.
La flor cautiva enciende soles ineclipsables y alumbra lunas llenas. En el oasis del silencio la poesia abre caminos de luz eterna. Ni siglos ni milenios destronarán al sultán que reina en el corazón del poema.
Outras "urgências" têm adiado este escrito sobre o meu regresso às salas de cinema, de que me afasto, habitualmente, durante a época de verão.
A minha rentrée teve lugar no "Terminal de Aeroporto".
Trata-se da recriação de um certo tipo de sociedade, em "universo fechado". Uma sociedade de direito que, fria e desafectuosamente, se rege por normas e onde os vazios legais atiram as decisões sobre os ombros de um responsável que, supostamente, tem o poder de decidir. Acontece que o acto de decidir não recai sobre os ombros de um qualquer, mas sobre os ombros de quem, ao longo de uma carreira serviu, fria e objectivamente, o rigoroso cumprimento de normas. Claro que há executivos mais ou menos frios e impessoais, com maior ou menor sentido de justiça, mas que, no momento da decisão, agirão sempre "conforme manda a sua consciência".
Também a massa anónima, a que, na obscuridade dos seus "papéis", faz funcionar toda a enorme trama organizativa do "grande aeroporto", se retrai perante a quebra de normas, o receio da perda do emprego e, no labirinto dos vazios legais, cada um tenta chamar si a sua oportunidade. Mas, face ao "herói", quando ele ganha a dimensão do mito e a todos une numa identificação comum, então é capaz de solidariedade e altruísmo.
O Equinócio de Outono, que hoje deve ocorrer pelas 16h30, segundo as informações que recolhi, é um tempo de mudança. A partir daquela hora o dia tornar-se-á mais breve do que a noite, até ao próximo equinócio, o da Primavera.
A palavra é curva Nunca atinge o alvo Só o silêncio é recto Mas a chama de um e de outro limpa a lepra do tempo e descobre a fonte branca como o desenho latente que na página respira
António Ramos Rosa Antologia Poética Publicações D. Quixote, Lisboa 2001
P.S.
Que Ramos Rosa me perdoe esta ligação do seu poema ao equinócio, mas nem eu sei bem por que fui tentado a fazê-lo.
Recordo-me perfeitamente de ter lido este texto de Pacheco Pereira e concordado com o seu prenúncio do proceder populista do governo de Santana Lopes. Achei estranho que tivesse sido escrito no início de Agosto, como ele afirma, pois eu não estava em Portugal nessa altura. Fui verificar. Está na Internet desde 8 de Julho.(Creio que foi enganado por esta confusão com a leitura de datas, introduzida com a adesão à Comunidade Europeia, e que, francamente, não sei se é ou não respeitada pelos outros países. 8.7.04 quer dizer 7 de Agosto ou 8 de Julho?)
"Existe em certos sectores da direita e da esquerda intelectual portuguesa a ilusão que um governo Santana Lopes será um governo que prosseguirá políticas liberais, ou, como pejorativamente agora se diz, “neo-liberais”. Enganam-se completamente. Se há coisa que em Portugal sofrerá com o populismo é o discurso genuinamente liberal. O populismo é nacionalista, defensor da closed shop, “social” e clientelar. O populismo será alicerçado em duas coisas muito próximas na vida política portuguesa: um discurso social, que pode mesmo chegar a ser socializante, e na gestão de clientelas. É uma fórmula muito eficaz em Portugal, potenciada agora pela forma como actuam os media. (...)"
A sua leitura aqui, neste local, não impede, antes estimula, a percepção do contexto em que este escrito de Pacheco Pereira foi produzido:
Ingenuidades às 10h18 de 8.Jul.04, Levar às 14h14 do dia 19.AGO.04 (com saída para o texto de João Pedro Henriques, no Público) e Levar 2 às 01h37 de 20.AGO.04.
Particularmente no que se refere a Ingenuidades, do dia 8.JUL.04, atrevo-me a aconselhar que suba até ao menu do browser, faça Editar > Localizar e aí procure por "Santana Lopes".
Há algum tempo atrás fui alertado por alguns amigos, via email e contacto pessoal, para a imagem e texto da página inicial do site da Câmara Municipal de Silves (www.cm-silves.pt), que abaixo reproduzo:
O alerta incidia sobre a palavra "Remodulação" (assinalada a vermelho pelo autor de um dos emails). Respondi-lhes, dizendo que se pretendiam evidenciar um erro ortográfico estavam enganados, pois "remodulação" existe como sinónimo de "remodelação" (Veja-se, José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Sociedade de Língua Portuguesa, Lisboa 1981: Remodulação, s. f. O m. q. remodelação, transformação, restauração).
Na passada sexta-feira, por curiosidade, visitei o site da Câmara, para ver se já funcionava. Deparei-me com o seguinte: (A palavra "Remodelação" foi circundada por mim, a vermelho)
Ora! Agora é que a "coisa" se complicou! Uma arreliante gralha ou um precipitado erro ortográfico sucede a todos - errar é próprio da condição humana - mas o apedeutismo(1) é um caso mais grave.
Ao emendar o que não era um erro, porque erradamente supôs que era um erro, a Câmara* errou, revelando e relevando o seu erro. A inscícia(2), nos primeiros passos de um novo site, é já o trilhar de algum descrédito.
P.S. Pode parecer que há por aqui algum "ressaibo", já que o autor deste blog foi o responsável pelo site da Câmara, há uns anos, mas quero esclarecer que não é de todo o caso, pois prescindi dessa função por iniciativa pessoal. Falo neste assunto simplesmente porque não quero que essa situação me iniba de comentar o que me apetece.
* Quando digo a Câmara, quero mesmo dizer a Câmara, ou mais exactamente a sua Presidente, pois, em última análise, é ela a responsável pelo que se escreve ou não escreve no site oficial da instituição que dirige.
(1) e (2) O uso destes dois termos - apedeutismo e inscícia - é maldade minha, para vos obrigar a ir ao dicionário, que é coisa que não faz mal a ninguém, antes pelo contrário. (rima e é verdade)
P.S.(2) Embora sem ligação com o assunto acima, quero agradecer a recente, simpática e elogiosa referência a este blog, em Povo de Bahá. (Clique no nome sublinhado)
Durante a minha estada no Rif - as montanhas do Norte de Marrocos, sobre o Mediterrâneo - tive o ensejo de entrar em contacto com a poesia de Mohamed Chakor, já falecido, mas que me foi dada a conhecer por um seu amigo pessoal. Dela ressumam as grandes preocupações e as urgentes aspirações dos que habitam a sua terra. É esta a mesma gente que, deste lado do Mediterrâneo, nós confundimos por entre as generalidades que comportam as palavras árabe ou muçulmano, e que a histeria xenófoba e agressiva classifica como inimigos do Ocidente ou potenciais terroristas. O povo anónimo não aspira senão à paz e à melhoria das suas condições de vida, e é tão permeável como qualquer outro às mistificações do seu tempo e da sua sociedade.
Mediterráneo: mar de pasiones
Un poeta que estuviera satisfecho del mundo en que vive, no seria poeta. Giovanni Papini
Pueblos ribereños del Mediterráneo, uníos! Pugnas fratricidas empañan las aguas cristalinas. En la cuna de la Sagrada Escritura y Alcorán consuman holocaustos como Próximo Oriente, Balcanes... Y en la era, de Derechos Humanos degüellan a los pueblos, que caen víctima de la doble moral de los amos del mundo. El terrorismo no es el camino de la paz. No puede serlo. Enemigos implacables se oponen a la convivencia de la Estrella de David, de la Meca y de la Cruz. Sin el pluralismo, la tolerancia y el amor, nuestro mar de pasiones es herida sangrante. Versos y claveles han de relevar a los misiles. El legado cultural es el tesoro del Mediterráneo, donde eclosionaron religiones, democracia, derecho... donde deben reinar libres la idea y la palavra.
Eu não irei prosseguir com estas traduções do prólogo de "El collar de la paloma", nem porventura com transcrições de trechos dos vários capítulos do tratado de Ibn Hazm sobre o amor. Se o fizesse, envolver-me-ia num trabalho incomportável e inadequado a este meio de comunicação. Quero no entanto confessar-vos que, mesmo neste preciso momento em que vos escrevo, dificilmente resisto a não partilhar algumas ideias de Ortega y Gasset, plenas de saber e por vezes recheadas de fino e subtil humor, sobre a transferência e a integração de novas ideias, sobre a escolástica e, em especial, sobre o profundo significado da palavra "amor".
Sabiam que esta nossa palavra - amor - herdada do latim, não tem origem romana, mas etrusca, língua desconhecida, hoje? Pois Ortega y Gasset questiona-se sobre o porquê da adopção romana dessa palavra e produz curiosas elucubrações a propósito.
Eu não vos dizia que não consigo parar!?
Aconselho então, vivamente:
Ibn Hazm El collar de la paloma Versión de Emilio García Gómez Alianza Editorial, Madrid 2004
"(...) A Idade Média europeia é, na sua realidade, inseparável da civilização islâmica, já que consiste precisamente na convivência, à sua vez positiva e negativa, de cristianismo e islamismo sobre uma área comum impregnada pela cultura greco-romana. (...) A própria religião islâmica procede da cristã, mas esta procedência nunca teria tido lugar se os povos europeus e os povos árabes não tivessem penetrado na área ocupada durante séculos pelo Império Romano. Os germanos e os árabes eram povos periféricos, alojados nas margens daquele império e a história da Idade Média é a história do que se passa com esses povos à medida que vão penetrando no mundo imperial romano, instalando-se nele e absorvendo porções da sua cultura rígida e já necrosificada. A Idade Média, de certa maneira, é o processo de uma gigantesca recepção, a da cultura antiga por povos de cultura primitiva. E a génese cristã do islamismo não é senão um caso particular dessa recepção, produzida pelo mesmo mecanismo histórico que levou os árabes do séc. IX a acolher Aristóteles, Hipócrates, Galeno, Euclides, Diofanto e Ptolomeu. Esquece-se demasiado que os árabes, antes de Maomé, viveram sete séculos rodeados por todos os lados de povos que estavam mais ou menos helenizados e que tinham vivido sob administração romana. Não é só da Síria que sopra sobre os árabes o grande vento da Antiguidade, mas também da Pérsia, da Bactriana e da Índia. Por sua vez a Europa, pelo seu lado norte, manteve-se livre das influências greco-romanas e pôde conservar por mais tempo intactas as raízes do seu primitivismo. (...) A minha ideia é a de que, ao começar a chamada Idade Média, germanismo e arabismo são dois corpos históricos homogéneos no que concerne à situação básica da sua vida, e que só depois, a pouco e pouco, se vão diferenciando, até chegar nestes últimos séculos, a uma radical heterogeneidade. A opinião contrária, que é a usual, surgiu por geração espontânea, irreflexivamente - coisa tão frequente nos historiadores - porque projectaram sobre aqueles primeiros séculos medievais a imagem de extrema heterogeneidade que hoje nos oferecem os dois grupos de povos. (...)"
É o título do livro que me ocupa de momento (ainda não vertido para a língua portuguesa). Um tratado sobre o amor e os amantes. Esta obra é considerada como a melhor do seu autor - إبن حزم - Ibn Hazm (sécs. X-XI) - e de toda a literatura árabe do al-Andalus.
Quero compartilhar convosco algumas considerações produzidas por José Ortega y Gasset no prólogo desta versão espanhola de Emilio García Gómez, sobre a questão das nacionalidades e da herança cultural que nos foi legada:
"(...) É claro que ao chamar árabe "espanhol" a Ibn Hazm, atribuo-lhe a sério o arabismo e com informalidade a hispanidade. Sem que pretenda estorvar que cada um proceda como lhe apraz, não estou disposto, por minha parte, a aventurar-me a chamar a sério "espanhol" a quem quer que nasça em território peninsular, mesmo que de sangue "indígena" e ainda que aqui tenha vivido toda a sua vida. A territorialidade e o plasma sanguíneo são os últimos atributos que podem qualificar a nacionalidade de um homem, isto é, a substância histórica de que é feito, e só têm eficácia quando antes se reúnam nele todos os outros. A prova simples e notória reside em que, vice-versa, se pode ser espanhol até ao grau mais superlativo sem que nunca se tenha visto terra espanhola e, igualmente, pode ser-se espanhol tendo muito pouco ou nenhum sangue da nossa casta. E isto, que é verdade agora, quando a Espanha há muito tempo atingiu a plenitude da sua nacionalidade, era-o muito mais nos séculos X e XI, quando a "coisa" a que chamamos Espanha começava simplesmente a germinar. Todos estes qualificativos "nacionais" significam, com maior exactidão, a pertença substantiva a uma determinada sociedade, e a sociedade árabe do al-Andalus era distinta e diversa da sociedade ou sociedades não-árabes que nesse tempo habitavam Espanha.
Mas isto não impede que a nossa relação com os árabes do al-Andalus, ou "espanhóis", não implique para nós certos deveres no que respeita à sua memória; deveres que, em última análise, se fundamentam na vantagem que usufruímos ao cumpri-los, já que ao fazê-lo alimentamos a nossa própria substância, enriquecendo e aperfeiçoando a nossa hispanidade. (...)"
O "JL" acaba de editar, numa selecção de José Carlos Vasconcelos, "Cem poemas de Sophia".
Dionysos
Entre as árvores escuras e caladas O céu vermelho arde, E nascido da secreta cor da tarde Dionysos passa na poeira das estradas.
A abundância dos frutos de Setembro Habita a sua face e cada membro Tem essa perfeição vermelha e plena, Essa glória ardente e serena Que distinguia os deuses dos mortais.
Eu não gostei do código de Dan Brown. Não o digo pela sua escrita que, apesar de cinematográfica, me empolgou como num romance policial por breves capítulos, de capítulo em capítulo, de mistério a enigma, em suspense, conduzido, quase subjugado acriticamente. Escrever assim não é fácil, mas é facilitista, e esse facilitismo fatigou-me e é abusivo.
É esse facilitismo que faz com que esta ficção se mascare de romance histórico, quando o não é:
- Não porque destoe do discurso oficial, antes porque carece da exigência do rigor a que um romance histórico não pode ceder, sem deixar de o ser (quem nos informa que o romance é histórico é o próprio autor, com a sua estranha página - Facto - a anteceder o Prólogo).
- Não porque me repugne aceitar o casamento de Jesus Cristo com Maria Madalena (que tanta polémica gerou, "inadvertidamente" publicitando o romance), mas antes porque o patriarcalismo e a atribuição de um papel secundário à mulher são conceitos e práticas judaicas, que o cristianismo herdou naturalmente, antes ainda da suposta reescrita bíblica de Constantino, como se sugere no romance.
- Não porque não me encantem os mistérios, os rituais, os jogos secretos dos Templários, dos Rosacruz, da Maçonaria e quejandos, bem como os códices, os códigos, os enigmas, as cifras, as cabalas, que aprecio (q.b.), mas antes a sua quase ridícula inconsistência:
Langdon, famoso simbologista, precisa de alguns capítulos para conseguir identificar o Homem de Vitrúvio, que me ocorreu imediatamente na sequência da descrição da posição do corpo de Jacques Saunière e não sou um especialista, nem simbologista, nem nada. (Espero que entendam que o problema não está em que eu o tenha identificado, mas sim na demora de tão excelsos especialistas em fazê-lo.)
Um simbologista, uma criptologista, e um profundo conhecedor do Priorado de Sião perdem um tempo inacreditável para conseguir identificar a escrita que se encontrava sob a rosa embutida e eu, antes ainda de iniciar a leitura do romance, simplesmente ao desfolhá-lo e ao deparar-me com aquele tipo de escrita, reconheci de imediato a escrita reflexa, dos códices de Leonardo Da Vinci, legíveis através de um espelho. (Não é por gabarolice minha e, mesmo que o fosse, essa escrita é perfeitamente identificável por qualquer leigo que alguma vez a tenha visto.) O que me espanta é que, no romance, essa escrita não é imediatamente identificada por especialistas e isso não é credível.
os especialistas, no romance, perdem horas e enredam-se em esquemas supostamente complexos para descobrir o código de abertura do criptex. Eu, na sequência da leitura do texto "Uma antiga palavra de sabedoria este rolo liberta...", apercebi-me logo de SOFIA. Só quem não estudou Filosofia ou não conhece o significado dessa palavra! Isto não é complexidade do enredo, como refere o editor na contracapa, é brincar com a eventual ignorância dos leitores e isso não é honesto.
O acto de "fazer a dobra", numa tabela, para decifrar o atbash, e que conduz à descoberta da chave - SOFIA - para a abertura do criptex, merece rasgados elogios de Teabing, que exclama:"Fico contente por verificar que os rapazes de Holloway estão a fazer o seu trabalho". Eu aprendi a "fazer a dobra", (aquela dobra e não a dos lençóis) no quartel da Trafaria, durante a instrução militar e aprendizagem de cifras, mesmo sem frequentar o Royal Holloway, supostamente um famoso colégio. E esse conhecimento é elementar, se me permitem a informação. Langdon até acha que Teabing é um fenómeno de sabedoria porque conhece de memória as 22 letras do alfabeto hebraico, como se fosse algo particularmente meritório e chega a comentar a excelente pronúncia de Teabing quando lê o hebraico. Logo ele, Langdon, que não conhece sequer de memória o tal supostamente difícil alfabeto.
Enfastiei-me, fatiguei-me, "arrastei-me" até à desilusão do desenlace final (que certamente irá ser corrigido na versão para cinema, que já se sugere e adivinha).
Eu gosto de códigos, fascinam-me os códices de Da Vinci, mas detesto esta literatura cinematográfica, facilitista, desonesta, abusiva, de top de vendas, de "O Código de Da Vinci".
P.S. Desculpem a extensão do texto, pouco prática neste ambiente de leitura, mas dá para um fim-de-semana, que desejo muito agradável para todos.
Como se exprime quem tem pouco vocabulário? Naturalmente que em discurso directo: eu disse, ele disse, o outro disse, reproduzindo um diálogo. O discurso directo é, literariamente, um recurso simplista, se bem que passível de gerar uma escrita viva, espontânea, dinâmica, emocional e afectivamente atraente. O discurso directo está na base da escrita dramática, como a do autor de teatro. O que está para além do que dizem os actores, intui-se a partir das suas interpretações, da cenografia, de toda a envolvência e códigos de comunicação de que se serviu o encenador. No cinema é também o discurso directo do argumentista que serve a linguagem dos actores e é a base de trabalho dos técnicos de estúdio, dos da iluminação, dos da câmara, de toda a panóplia de recursos e códigos de comunicação de que se serve o realizador. A literatura, só por si, não pode recorrer aos actores, nem aos encenadores, cenógrafos, realizadores... tem um código próprio e é um trabalho de autor.
Exige menos esforço ver televisão ou cinema do que teatro, que já não tem a mediação da câmara a facultar um outro olhar que não o nosso, ou do que a literatura, onde o envolvimento é criado por descrições mais ou menos longas, enriquecidas por recursos estilísticos ou de vocabulário, a exigir um percurso anterior, uma aprendizagem, uma certa regularidade, até mesmo, talvez, hábitos de escrita.
O cinema e a televisão trouxeram ao grande público a capacidade de captar os ritmos, os movimentos, as sugestões, quase como na vida real, gerando reminiscências que permitem vivenciar com maior facilidade a literatura do discurso directo. A literatura do discurso directo é a base da escrita cinematográfica.
A escrita cinematográfica é de leitura fácil, poderia ser barata e dá milhões.
Culminando esta incursão pela poesia árabe clássica, que não tem outra pretensão senão a de vos despertar a eventual curiosidade, venho hoje na companhia daquele que alguns costumam referenciar como "o maior poeta dos árabes" - Al-Mutanabbi (séc. X).
Aquele século, marcado pela descentralização do poder califal e decomposição do império, marca também, no mundo da poesia, o retorno aos modelos antigos, do classicismo, ao domínio dos valores beduínos sobre os urbanos.
Lo bueno de la civilización urbana siempre viene de fuera; lo bueno es, en cambio, consustancial a la vida beduina.
Sé humilde ante ella. Esté lejos o cerca, sométete, pues quien no ama no se humilla ni se somete.
Los caballeros y la noche me conocen. Me conoce el desierto, me conoce la guerra. Y el papel y la pluma me conocen también.
Yo soy aquél cuyas palabras lee el ciego y escucha el sordo.
Este post de hoje foi-me praticamente sugerido pelo regresso de ontem à poesia luso-árabe, de que andava arredio desde o passado mês de Julho, e vem na sequência de um outro aqui publicado, a propósito da poesia árabe clássica.
Assim como aconteceu quando da deslocação da sede do califado omíada para Damasco (661-750) (como refiro no postatrás citado), gerando um período muito vivo de criatividade e inovação, acontece também com a emergência do califado abássida e a transferência da sua sede para Bagdad. Os novos povos incorporados no império - com particular destaque para os persas, que passam a ocupar elevados cargos ao nível da administração central e ganham relevância na criação literária - são portadores de novas culturas não árabes, se bem que arabizadas e islamizadas pela assimilação neste novo império e nesta nova sociedade sedentária, urbana, culta e próspera.
Bassar ibn Burd (séc. VIII), é um óptimo representante da nova tendência poética, de que vos trago dois poemas: o primeiro pela sua carga de nacionalismo anti-árabe (Bassar é iraniano) e o segundo pelas novas imagens da sua nova retórica.
Acusación
Oh, Ibn Nahiya, una cabeza es ya mucho peso como para soportar dos. Sirvan otros a dos señores, que a mí con uno me basta.
La noche
Ya sen ellos, cuando la noche se me hace eterna, me pregunto si a la noche sucederá el día. Mis ojos, como si los párpados les quedasen pequeños, ya no se cierran. Su corazón parece una pelota brincando en vano sin conseguir unirlos.
Abu-l-Rabi Sulayman ibn 'Isa al-Kuthayyir é natural de al-'Ulia (Loulé). Viveu no séc. XIII.
na hora do adeus, o corvo as asas vi bater e julguei que no voar levava o meu coração. só ele foi alegre naquele entardecer, e não falso ao mostrar luto então.
o que me dá prazer não é o vinho, não! nem a música, nem o canto. só os livros são o meu encanto e a pena, espada sempre à mão.
Adalberto Alves O meu coração é árabe Assírio & Alvim, Lisboa 1998
Satisfiz, finalmente, uma das curiosidades que me assaltava de cada vez que subia até às margens do Tâmega: a igreja de Marco de Canaveses, de Siza Vieira.
Chegado ao local apercebi-me de que já antes havia avistado aquele edifício, que supunha tratar-se da nova Câmara Municipal, dadas a sua dimensão, a simplicidade surpreendente da contemporaneidade das suas linhas e a austeridade do muro de pedra, de suporte e porte institucionais. Ainda a forma como se integrava tão naturalmente na malha urbana.
Rodeei todo o local, feito de cantos e recantos de silêncio.
Atrevi-me a entrar.
S I L Ê N C I O.
É uma catedral de silêncio. Alta. Ampla. Nua.
Onde, até o corrrer da água da pia baptismal afirma o silêncio e a nudez límpidos do local.
Onde o mobiliário é o minimamente indispensável ao(s) oficiante(s) e seus fiéis.
Onde até uma longa fresta, aberta sobre a cidade e o campo que a envolve, lembra que há todo um mundo ali ao lado, tão próximo que é possível avistar, a justificar o silêncio e a meditação.
Sair ao encontro das raízes é também avistar o Mar da Palha e passear pela Margem Esquerda, da Piedade ao Seixal e ao Barreiro, para onde partiram, em ondas migratórias sucessivas, os operários corticeiros que um dia construíram esta Silves industrial de que só restam muros e quintais de fábricas abandonadas, topónimos que soam a gente endinheirada, com Mascarenhas e Vilarinhos, ou de gente indiscriminada, com operários e corticeiros, edifícios que se degradam e entristecem feitos blocos, anónimos, de apartamentos, e que rara, mas exemplarmente, vão merecendo a sorte de um restauro ou de uma requalificação.
O mesmo se passa aqui neste mar quedo de destroços de uma sociedade que morreu, esquecida nas traseiras dos novos bairros, e de que só ficaram os mais velhos, a nostalgia e os escombros, e a lembrarão os museus e a História.
A caneca de verde tinto em porcelana branca, as azeitonas e o pão
De certa maneira a síntese da labuta desta gente junto ao Tâmega, hoje e aqui feita símbolo da alegria deste convívio familiar (ver post de 25 de Agosto), de danças e cantares colectivos, de partilha da saudade dos que já foram, da novidade dos recém-chegados, do dia-a-dia dos que vieram e dos que não puderam estar, em torno da mesa desta comunhão de pão e vinho, da fartura dos dias longos de Verão, da amizade e do reencontro.